Nós, que constituímos o Coletivo Transcentrado, somos um agrupamento autônomo, formado exclusivamente por pessoas trans, articulad(as/os/es) a partir de experiências concretas compartilhadas, saberes situados e práticas de resistência cotidiana. Nossa atuação parte do princípio de que a produção, mediação e difusão do conhecimento devem estar ancoradas na vivência direta das pessoas trans, sendo estas as únicas capazes de compreender, com profundidade e legitimidade, as singularidades, as tensões e as potências que atravessam a experiência trans.
Acreditamos que o acolhimento psicossocial, a escuta ativa, o suporte político e comunitário, assim como a oferta de ferramentas para a construção da autonomia individual e coletiva, devem ser necessariamente concebidos por pessoas trans e para pessoas trans. Compreendemos que a emancipação dos nossos corpos — enquanto corpos dissidentes das normativas cisgênero e binárias — só pode se concretizar de forma plena quando o saber deixa de ser monopolizado por instituições tradicionais, muitas vezes excludentes, e passa a circular de forma ampla, irrestrita e acessível a todas as pessoas trans, independentemente de sua localização territorial, condição socioeconômica ou trajetória educacional.
Reafirmamos a convicção de que apenas pessoas trans possuem as condições materiais e afetivas de entender as complexidades, os desafios, as dores e os prazeres implicados no exercício da existência trans. A vivência trans, atravessada por violências estruturais e, ao mesmo tempo, por práticas de resistência e reinvenção, exige que sejamos nós mesm(es/as/os) os agentes e narrador(es/as/is) de nossas histórias e lutas. A segurança, neste sentido, não é apenas física, mas também epistêmica, emocional e simbólica — e ela só se torna possível quando estamos entre pares, entre semelhantes, entre outras pessoas trans.
Defendemos, de maneira inegociável, que pessoas trans devem estar presentes e representadas em todas as esferas da vida social na ciência, na saúde, na educação, nas artes, no direito, na política, nas tecnologias, nos meios de comunicação, nas lideranças comunitárias e em qualquer outro espaço onde a sociedade se estrutura e se reproduz. Ocupamos — e continuaremos ocupando — esses territórios não apenas como sobreviventes, mas como produtor(es/as/is) legítim(es/as/os) de saberes, afetos, linguagens e mundos possíveis.
Nosso compromisso é com uma transformação radical das formas de existir, conviver e produzir saber, pautada pela solidariedade entre pessoas trans, pela justiça social e pelo combate a todas as formas de cisnormatividade (sistema que pressupõe que todas as pessoas são ou devem ser cisgênero) e exclusão estrutural.
A missão do Coletivo Transcentrado está enraizada no compromisso político e ético de transcentrar o conhecimento — ou seja, deslocar o eixo epistêmico dominante da cisnormatividade (estrutura social que pressupõe a cisgeneridade como norma universal e desejável) para uma centralidade trans, onde as vivências, os saberes e os corpos dissidentes ocupem o protagonismo na produção, circulação e validação dos saberes.
Esse processo de transcentralização epistemológica implica não apenas reivindicar espaços historicamente negados às pessoas trans, mas também reapropiar-se desses territórios com autonomia, soberania e consciência crítica, redimensionando-os a partir de perspectivas que rompem com as estruturas binárias, excludentes e hierarquizantes que organizam o saber e o poder na sociedade contemporânea.
Nosso compromisso não é com uma simples inserção simbólica, mas com uma transformação radical e estrutural. Isso significa disseminar a autonomia da transgeneridade (entendida aqui como a liberdade plena de existência para além dos marcadores normativos de gênero) de maneira insurgente, horizontal e contínua, desafiando os limites impostos por instituições cisnormativas, coloniais e patriarcais que sistematicamente excluem, patologizam e invisibilizam as subjetividades trans.
Assumimos, portanto, como eixo central da nossa missão, o empoderamento integral de pessoas trans, de modo que nunca em suas vidas precisem submeter-se às estruturas de validação cisnormativa